Quartos fechados, mundos abertos: debate no SSCF alerta sobre riscos digitais na adolescência
“Você deixaria seu filho trancado num quarto com criminosos?”, perguntou a psiquiatra e Supervisora do Programa de Residência do Serviço de Saúde Dr Cândido Ferreira, Luciana Staut, durante o Encontro Adolescência em debate, realizado na última sexta-feira, 9 de maio, no casarão do SSCF, em Sousas.
Outros dois psiquiatras participaram do Encontro: a professora do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Karina Diniz, que também é advogada, e o diretor técnico do SSCF, Rafael Manrique, que mediou o debate.



A pergunta de Staut foi uma alusão não só à minissérie “Adolescência”, que inspirou o evento, mas também a situações reais presentes em muitos lares brasileiros: crianças e jovens trancados no quarto, com acesso ilimitado às redes sociais e expostos aos danos que essa relação pode trazer à saúde mental. “Não sabemos se quem está do outro lado é realmente quem diz ser’, explicou à plateia, composta por profissionais de saúde e de outras áreas, além de familiares de usuários dos serviços do Cândido Ferreira.
A minissérie britânica acompanha a história de Jamie, de 13 anos, que é preso e acusado de assassinar uma colega de escola. Em sofrimento, a família tenta encontrar uma justificativa para o possível crime do menino. Um dos trechos da trama exibidos no encontro mostra um diálogo dos pais de Jamie, que embora tentem se convencer do contrário, levam o expectador a entender que agiram com negligência.
Consumidos por suas rotinas pessoais, os pais estavam tranquilos com o filho sempre dentro do quarto, sem perceber que o menino circulava livremente em um mundo de códigos desconhecidos pelos adultos e usados por grupos de adolescentes para expressar comportamentos e atitudes como bullying, radicalização online e misoginia.
Para os psiquiatras, o que frequentemente atrai os jovens para essas comunidades é a indisponibilidade dos pais para o tempo de afeto, de escuta, de conexão com os filhos, o que prejudica o desenvolvimento da autoestima. “O que dá autoestima é ter o nosso lugar no mundo. Nossa vida de adulto é cheia de cestinhas: da escola, do trabalho, das atividades que gostamos. Para a criança, só existe a cestinha dos pais. São eles que dão os ‘ovos’”, esclareceu Diniz.
De acordo com ela, é preciso incentivar a construção de cestinhas saudáveis, onde as crianças se identifiquem. Se ela gosta de música, por exemplo, os pais precisam estimular o trabalho com música. Na trama apresentada, Jamie foi levado ao futebol, depois ao boxe, quando na verdade só gostava de desenhar.
A falha dos pais ao não se conectarem com o filho teria sido um dos fatores que levaram Jamie a buscar refúgio nas redes sociais. “A criança procura um lugar no grupo que faça sentido para ela. Naquele momento, ele (Jamie) só precisou atendeu à sua necessidade de afeto”, complementou Diniz, citando a existência de vários estudos que exemplificam o impacto das redes sociais nos quadros de ansiedade e depressão dos jovens.
Mas como agir para evitar que o uso das redes tenha impacto negativo na saúde mental dos filhos? Para Staut, é preciso fortalecer as relações presenciais, investindo mais na qualidade do que no tempo de atenção dispensada às crianças. Quanto à permanência diante das telas, ela diz que reduzir o tempo de acesso às redes de pouco adianta, já que os contatos na internet são muito rápidos.
O que a psiquiatra recomenda é que os pais monitorem os filhos, ou seja, procurem saber com quem e sobre o quê eles estão falando, sem achar que essa medida é invasão de privacidade. Crianças e adolescentes estão com o cérebro ainda em desenvolvimento e, portanto, não podem decidir o que implica ou não em consequências à sua saúde mental. Já os pais, esses precisam estar conscientes e muito atentos aos riscos que crianças e adolescentes correm todos os dias da era digital, mesmo ficando dentro de casa.
* A série “Adolescência” está disponível na Netflix.
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Lenir Brizzi, jornalista | E-mail: brizzilenir@gmail.com